Novos Povoadores®

Apoiamos a instalação de negócios em territórios rurais

Reflexões Urbanas



Ouves o despertador no telemóvel que colocas na mesinha de cabeceira. É cedo para ti e para o amanhecer, que ainda está a alguns minutos de distância. Não te custa sair da cama, mais do que te tem custado há 20 ou 25 anos. Os chinelos mudam, o soalho muda, o caminho para a casa de banho muda, até o número de pessoas em casa muda. Só a luta continua a mesma. Estás mais pesado, mais caído. Não tens o assobio de outrora. Preparas os miúdos, fazes mais de cem tarefas em pouco mais de sessenta minutos e já nem dás por isso. Respondes maquinalmente às perguntas dos teus filhos, que ainda não sabem ver as horas. Pensas meia dúzia de segundos no saldo que terás na conta bancária. Nos dias que faltam para o final do mês. Nas despesas. Toca a campainha do micro-ondas. Mais uns segundos a fazeres contas de cabeça sobre o tempo que tens, o caminho que tomarás, o trânsito e quanto levarás a chegar ao emprego. Quase ao mesmo tempo a torradeira cospe uma fatia de pão. Acabou-se o luxo de perder segundos a pensar. A partir daqui é tudo um reboliço. Devias levantar-te 15 minutos mais cedo. Há anos que sabes que devias. Mas não levantas. É a tua última peça de resistência. Ninguém te tira esses 15 minutos de sono, até porque já não tens mais nada. Sais de casa na correria habitual, a apressar os miúdos. Tudo em direção ao elevador. Pressionas o botão que um deles já pressionou. Levas os bolsos cheios: telemóvel, chave do carro, chave de casa, carteira e um sem número de extras que muda todos os dias e que não houve tempo de empurrar para dentro da mala – empurras depois, quando estiveres a sair do carro para subir para a empresa. Passas pela escola, deixas os miúdos. Beijas testas a correr, dás abraços de robot e à saída voltas a saudar os auxiliares (que no teu tempo se chamavam contínuos) com o mesmo entusiasmo da mensagem pré-gravada que as operadoras de telemóvel têm a avisar que quem tentaste contactar está de momento indisponível. Enfias-te nas entranhas do carro outra vez. Os rins já acusam cansaço e ainda agora é de manhã. Arrancas. Ligas o rádio e ouves as notícias do dia, que podiam muito bem ser as do dia anterior que nem davas por nada. Ouves a informação de trânsito e ficas a saber onde ele está pior quando já te encontras a entrar na fila que serpenteia a estrada que fazes todos os dias. Não podes ir mais depressa. É aí que abrandas e percebes que não devias ter respondido maquinalmente aos miúdos, que os devias ter beijado melhor e abraçado como se fosse a última vez, pois não sabes quando foi a última vez que realmente o fizeste assim. Sentes uma impressão no estômago. Chama-se saudade e já só te é permitido tê-la enquanto estás numa fila de trânsito. Uma horas depois estás a subir para o escritório. Chegaste à linha da frente e dela sairás ao fim da tarde – depois de teres feito mais de cem tarefas em pouco mais de cada sessenta minutos ali passados. Com a mesma correria voltas ao carro e nem na fila para casa te passa pela cabeça que há anos que estás a cair como um soldado desconhecido. Ainda te sobram munições? Usa-as para festejar a deserção. Acorda amanhã sem despertador, 15 minutos mais tarde, com a luz do dia a beijar-te o rosto, abraça a miudagem a valer. Pega no carro e neles e faz o caminho contrário à fila, aquele que está quase vazio. Conduz muito nesse sentido. Muito. Muito. Depois disso, assobia. 11/03/2011 - 11h07 - Fundação Champalimaud, “Champalimaud Centre for the Unknown”, Av. Brasília, Lisboa.

in projecto Moboide (Mobile Polaroid), Miguel Martins

PlanIT Valley quer ser a montra do urbanismo sustentável



Numa área de 17 quilómetros quadrados no concelho de Paredes está a ser pensada a cidade do futuro, com respostas aos actuais desafios da vida urbana. Soluções que poderão ser exportadas se o projecto, extremamente ambicioso, se concretizar. Por Luísa Pinto

As revistas internacionais chamam-lhe cidade do futuro. Mas o que os promotores do PlanIT Valley, um projecto anunciado para Paredes, estão a tentar fazer é construir de raiz uma cidade para 225 mil pessoas com uma pegada ecológica próxima do zero, que integre as soluções para muitos dos problemas urbanos do presente. Mais de metade da população mundial vive actualmente em cidades, e a sustentabilidade do planeta depende, e muito, das respostas aos desafios associados à sustentabilidade ambiental. O que a Living PlanIT, uma empresa liderada por um ex-executivo da Microsoft, Steve Lewis, se propõe desenvolver é uma espécie de cidade-laboratório onde se desenvolvam e testem soluções. Uma cidade-catálogo, montra de tecnologias, bens e serviços exportáveis para o mundo.

A concretizarem-se os anúncios que têm vindo a ser feitos pela Living PlanIT, será a vinte quilómetros do Porto que vai aparecer um laboratório vivo onde novas soluções tecnológicas irão ser desenvolvidas e testadas, ao nível da construção de edifícios, da mobilidade, da produção e gestão da energia, do tratamento e reaproveitamento de resíduos... tudo controlado por uma gigantesca rede de sensores (fala-se em cem milhões) que permitem, além disso, monitorizar a qualidade de vida dos habitantes, e trazer interactividade à vida.A relação do habitante com esta cidade não seria muito diferente daquela que, individualmente, cada cidadão pode ter com o seu smartphone. O que se fala para Paredes é isso, uma smart city. Uma cidade inteligente que, segundo Celso Ferreira, o presidente da Câmara de Paredes, que abriu os braços a este projecto, não poderia ser desenvolvido em nenhuma metrópole já consolidada. "Nenhum condomínio iria permitir, de repente, a instalação de sensores... e aqui estamos a falar à escala de quarteirões e de cidade. Aqui estamos a começar do zero, e só vem para cá quem aceita estes princípios que, obviamente, não deixarão de respeitar todas as questões legais", explica o autarca.

Trata-se, pois, de construir uma cidade de raiz, com Celso Ferreira a garantir o cumprimento dos critérios de ordenamento do território nacional. "Não vamos repetir, em Paredes, os erros que foram feitos no passado, um pouco por todo o país", assegura. O responsável do projecto, Steve Lewis, garante também ter a preocupação de construir em Portugal algo que não seja "desgarrado da realidade e da cultura portuguesa". Por isso, assegura, chamou o gabinete de arquitectura Balonas e Menano a desenhar o plano de implantação da cidade. "Um gabinete de topo, com soluções inovadoras e criativas", assevera Lewis.

Pedro Balonas agradece a oportunidade de estar "a integrar uma rede de conhecimento". "Temos estado em contacto com um impressionante número de empresas, e a trabalhar em soluções que nos atiram para os lugares de topo, a nível mundial", afirma, entusiasmado, o arquitecto. A Balonas e Menano é parceira e investidora: é o gabinete de arquitectura que está a suportar os custos de investigação nestes processos, onde actualmente estão a trabalhar, afirma Pedro Balonas, 20 pessoas.

Este é o conceito que foi tornado público, e o modelo de negócio que o sustenta: as empresas interessadas em desenvolver tecnologia e soluções, nas mais variadas áreas, como materiais científicos, técnicas de construção, engenharia mecânica, indústria automóvel, software, electrónica, etc, são convidadas a integrar um "ecossistema" de parcerias, tornando-se elas próprias investidoras. "O parceiro da Living PlanIT terá necessariamente de se instalar na PlanIT Valley, e levar os seus funcionários para testar as soluções e desenvolvê-las ali. E depois vendê-las", explica Steve Lewis.

Moradores chegam este ano

Conceito conhecido e publicado, tudo o resto permanece no segredo dos deuses. E nos últimos dois anos tem-se assistido a uma sucessão de números e anúncios, relativamente às empresas envolvidas e contactadas, e ao avanço, no terreno, desta construção.

Ao Cidades, Steve Lewis avança as mais recentes. Até ao fim deste mês, inicio do próximo, deverão começar a ser adquiridas algumas parcelas de terreno (os 17 quilómetros quadrados reservados para o projecto são propriedade privada). E até ao fim do ano poderão começar a chegar os primeiros dos oito mil novos habitantes (entre funcionários de empresas e seus familiares). Lewis garante que já mais de 900 empresas visitaram Portugal nos últimos dois anos, e que nos próximos cinco é muito provável que se instalem em Portugal 1300 "pequenas, médias e grandes" firmas das mais diversas áreas de actuação.

O investimento previsto para a execução deste projecto chega aos dez mil milhões de euros, para dotar esta smart city da capacidade de atrair, directa ou indirectamente, cerca de 12 mil empresas do sector tecnológico e criar cerca de 20.000 empregos. Para a concretização do projecto, não há datas. Os compromissos, para já, circunscrevem-se ao que chama a Fase 1: um investimento de cerca de 500 milhões de euros, só para a parte da construção e das infra-estruturas numa área de 37 hectares. A componente tecnológica - nomeadamente o Centro de Inovação Global para Sensores de Redes e a respectiva rede de sensores a instalar pela Cisco Systems, custarão mais 200 milhões.

Steve Lewis esbanja elogios para todos os protagonistas portugueses que, a dada altura, tomaram contacto e decisões relativamente ao projecto, que anda a ser trabalhado e pensado desde 2007. Começa na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Norte (CCDRN), que acompanhou o projecto, e segue para a agência para a promoção do investimento (AICEP) e para o seu presidente, Basílio Horta. A primeira pelo auxílio do trabalho técnico, o segundo por ter dado "um apoio soberbo", e ter uma visão" muito prática, muito focada".

O presidente da Living PlanIT prossegue os elogios para o Governo português, que, alega, fez "o que se espera para um projecto deste tipo: saiu do caminho, não atrapalhou". Mas, acrescenta o presidente executivo da Living PlanIT, fez exigências que permitiram melhorar o projecto, em termos de incorporação nacional, de criação de postos de trabalho.

Segundo a AICEP, o projecto PlanIT Valley garantiu a dinamização de um cluster regional de PME da area tecnológica. Como contrapartida, terá facilidades administrativas e fiscais que merece um empreendimento com o selo PIN - Projecto de Interesse Nacional, concedido em Setembro de 2009. Questionada pelo Cidades, fonte oficial da AICEP sublinhou o carácter inovador do projecto, acreditando que os parceiros que já foram anunciados publicamente pelos promotores, e que são liderados pela Cisco, lhe conferem a "credibilidade" que poderá tornar possível o seu sucesso.

O maior dos elogios dispensados por Steve Lewis vai, no entanto, para o autarca de Paredes: "Não há muitos Celsos Ferreiras no mundo, homens com esta visão", argumenta. Para Lewis, "uma das maiores vantagens de Portugal é o facto de os autarcas terem poderes de decisão, de facto". "E isso não acontece em muitos outros países", assegura.

O que é que Paredes tem?

O presidente da Câmara de Paredes relata a "conquista" deste projecto para Portugal como algo que foi muito trabalhado, e que resultou de uma prospecção de indústrias que pudessem instalar-se no concelho e diversificar a oferta produtiva, muito concentrada no mobiliário. "Encetámos contactos com a indústria automóvel, queríamos trazer para o concelho indústrias de nicho. Foi aí que chegámos a Miguel Rodrigues, o autor do Vinci GT", explica o autarca, referindo-se ao carro desportivo que foi desenvolvido no Centro para a Excelência e Inovação da Industria Automóvel (CEIIA), instalado no TecMaia. O carro não chegou à produção industrial, mas em vez de perder uma fábrica, Paredes acabou de ganhar a promessa de "uma cidade".

A Living PlanIT portuguesa é uma empresa com sede na Maia, da qual Miguel Rodrigues é sócio, e que tem como sócio maioritário Steve Lewis. A informação disponibilizada no Portal de Justiça revela uma empresa constituída com cinco mil euros de capital, tendo como actividade os "serviços de diversão e recreio", e com apenas um funcionário. Lewis diz ao PÚBLICO que, na fase actual, os funcionários são já 130, e que a maior parte deles trabalha em Portugal. "Mas o número de pessoas que, de alguma forma, está a trabalhar neste projecto, numa base diária, em todo o mundo, chega já às 2000", assegura.

O líder do PlanIT Valley sublinha que não está à frente de uma empresa de imobiliária, nem de uma empresa de construção - "a Living planIT é uma empresa que desenvolve tecnologias inovadoras, e sustentáveis, à escala urbana", define - mas que chamou algumas das líderes mundiais destes sectores para a rede de parceiros. Por um lado, celebrou um acordo com a Quintain, uma empresa do sector imobiliário que está a desenvolver projectos de regeneração urbana no centro de Londres e que investe muito na investigação e desenvolvimento de novas urbes. Por outro, tem também como parceiro a BuroHappold, uma importante empresa de engenharia, que está a desenvolver projectos de construção em vários pontos do globo.

"A nossa preocupação foi captar o interesse destas grandes empresas internacionais, que, pela sua capacidade e liderança, servirão como âncora para atrair outras empresas", afirma Steve Lewis. Apesar de varias tentativas, o PÚBLICO não encontrou empresas nem funcionários disponíveis para revelar as frentes em que estão a trabalhar. O segredo é a alma do negócio, e o momento actual, garante Lewis, é o do sprint final: "Está muita gente a correr para a meta, ao mesmo tempo".

Celso Ferreira explicou ao PÚBLICO que para evitar possíveis especulações dos proprietários, tem três localizações distintas por onde o projecto pode avançar. "Já há negociações no terreno, e a estratégia é a de que, quando percebermos em qual das três localizações é mais vantajoso, economicamente, avançar, iniciamos as transacções", justifica. O município ainda não fez nenhuma compra, mas já tem um empréstimo negociado. "É a Agência Municipal quem compra o terreno, e depois é ressarcida pela Living PlanIT desse valor", explica o autarca. Que valor? Celso Ferreira diz que não pode dizer, "por razões óbvias".

Óbvia também é a dificuldade de concretizar um projecto com esta envergadura e este grau de integração dos parceiros a envolver. Mas o certo é que, se os planos de Lewis e dos que o acompanham ultrapassarem o entusiasmo que o inglês coloca em cada palavra, para se tornarem, de facto, uma cidade, haverá em Portugal um sítio onde o planeta pode observar propostas para novas formas de trabalhar, habitar, num mesmo espaço. Um lugar em que, por exemplo, os computadores nos ajudarão nas tarefas diárias, dizendo-nos para o telemóvel que a loja por onde estamos a passar, no caminho a pé para o trabalho, tem o produto que nos falta num armário da despensa de casa. E este serviço até já está a ser trabalhado, como solução a comercializar, por uma empresa portuguesa, assinala um não menos entusiasmado presidente da Câmara de Paredes. Steve Lewis, presidente da Living PlanIT

in Público

Cinco passos para uma agenda?

Aderir ao movimento e exercer cidadania requer, igualmente, mobilização e participação. E também alguma organização, pelo que estão definidos cinco passos que podem conduzir à elaboração de uma agenda local, no âmbito do "Cidades pela Retoma".

1. Siga a campanha através do site noeconomicrecovery withoutcities.blogs.sapo.pt, no Facebook (facebook.com/cidadespelaretoma) ou inscrevendo-se na mailing list (groups.google.pt/group/cidadespelaretoma).

2. Organize um grupo. Marque um encontro preliminar com pessoas da mesma cidade. É importante levar conhecimento técnico e científico para o processo de reflexão. Cative alguém dos quadrantes de economia, cultura, terceiro sector, ensino, saúde, política e media que possam ajudar no lançamento da ideia.

3. Crie um blogue/site para informar a comunidade sobre a ideia.

4. Promova conversas informais sobre o papel da cidade na retoma.

5. Produza uma agenda local para a retoma económica e a animação social da cidade.

IDM http://www.drummajorinstitute.org

Emerald Cities http://www.emeraldcities.org

Core Cities http://www.corecities.com/home

AcdPorto http://networkedblogs.com/anEmX

Faro1540 www.faro1540.org

C.F.

in Público

"Há risco de favelas à volta de Lisboa"



Correio da Manhã – Qual a função do Sistema de Segurança Interna?

Mário Mendes – O Sistema de Sistema Interna (SSI) pretendeu colmatar a questão da diversidade de tutelas nas diferentes forças e serviços de segurança. Diversas forças de segurança é uma fonte de descoordenação e criou-se este chapéu que seria o ponto fulcral da coordenação. A função fundamental do SSI é fomentar uma cultura de coordenação e cooperação.

– O secretário-geral do SSI tem os poderes suficientes para desempenhar o cargo com eficácia?

– O problema é este, a nossa Lei de Segurança Interna não dá poderes efectivos ao secretário-geral. Imaginemos que ocorre um aumento significativo da criminalidade no Algarve e em zonas da competência da GNR. Eu digo ao senhor comandante-geral que estou preocupado e para fazer o favor de aumentar as acções policiais em certas zonas. E ele responde: ‘Não, o senhor está enganado, porque aqui não se passa nada de extraordinário’. O secretário-geral fica desarmado. Não pode ser assim.

– O secretário-geral do SSI não tem acesso a informação policial?

– No caso concreto, por exemplo, dos recentes assaltos a ourivesarias, nós sabemos que existem grupos criminosos a trabalhar nisto. O meu colega espanhol – e estamos perante grupos de criminalidade transnacional – sabe quem são os grupos, sabe de onde vêm e para onde vão, em que carros se movimentam, eu não tenho nada.

– Porquê?

– Não posso, porque a lei não o permite. Não faz sentido nenhum.

– Há um problema crónico das forças de segurança que é a ausência de partilha de informação. Consegue que as diferentes polícias troquem informações?

– Estamos longe do óptimo. Há maior cultura, mas é óbvio que não estamos, nem de perto nem de longe, no nível desejável. Mas nota-se muito nas equipas mistas de prevenção criminal que se troca esse tipo de informação. É esta partilha de informação que deve acontecer.

– Mas já há partilha de informações?

– Sabe que está na própria natureza do povo português jogar muito para dentro e guardar aquilo que é seu. É muito difícil transformar de um momento para o outro esse tipo de mentalidade.

– As alterações ao Código do Processo Penal em 2007 contribuíram para o agravamento da insegurança em Portugal?

– Do ponto de vista imediato, tiveram uma manifesta importância. Isso viu-se na subida de criminalidade. Principalmente no segundo semestre de 2009. Foi uma consequência não tanto do Código, mas da interpretação de algumas disposições do Código. É preciso ter algum cuidado na permissividade de certo tipo de legislação.

– Existe uma tendência para mais focos de tensão social?

– Sem dúvida nenhuma. Estou convencido de que 2011 não vai ser tão sensível em termos de aumento exponencial de criminalidade. Vai ser em termos de convulsão social.

– Quais são as maiores ameaças?

– As maiores ameaças em termos de criminologia são mais ou menos as mesmas nos últimos dez anos. Nós fizemos um estudo da evolução da criminalidade na última década e os crimes estão muito associados à toxicodependência que, longe de se ter reduzido, é um fenómeno com o qual a sociedade se habituou a conviver. Habituámo-nos a conviver com a toxicodependência, já não nos choca. É esse tipo de crime, o furto em interior de veículo, o roubo por esticão, o furto na rua, o roubo – e o resultante das relações interpessoais, a difamação, a ofensa corporal simples. Isto corresponde a uma fatia de mais de 50 por cento da criminalidade em Portugal.

– E para o futuro próximo?

– Eu acautelaria em termos de futuro a evolução deste pequeno crime para um crime mais grave e mais violento, o permanente agravamento da situação nas chamadas zonas urbanas sensíveis. Repare que a diminuição eventual das prestações sociais pode acarretar problemas graves nessas zonas, que já têm muitas dificuldades em termos económicos...

– Vai haver mais crimes por razões económicas e sociais?

– Exacto. Pode ocorrer, sobretudo, nessas zonas urbanas sensíveis. Teremos de contar, ainda, com o descontrolo completo que está a haver na União Europeia, não é só um problema nosso, em termos de circulação de pessoas. Está a assistir-se a algo perfeitamente descontrolado. Aquelas medidas compensatórias da livre circulação, as chamadas medidas de Schengen, não estão a funcionar eficazmente.

– Sente que há falta de autoridade do Estado?

– De uma forma genérica, é óbvio que há uma manifesta falta de autoridade do Estado. Há uma fragilidade e uma fragilização das instituições. De todas. Estão frágeis as polícias, estão frágeis os tribunais. Creio que a opinião das pessoas sobre o poder político não é a melhor, mas posso estar enganado. Tudo o que é instituição está desacreditado. Nalguns casos não sei se intencionalmente desacreditado. Em relação ao caso concreto que me coloca: não é para sacudir a água do capote, mas não tive nada a ver com esse assunto.

– Os blindados são necessários?

– Eu acho que sim. Vivi alguns anos em Bruxelas e o patrulhamento de toda a zona sensível era feito com apoio e utilização deste tipo de viaturas. Não é nada de inédito. Em 1995, quando saí da PJ, no relatório anual que fiz em relação a 94, chamei a atenção para as chamadas "zonas urbanas sensíveis" e para o problema da ‘favelização’ da cintura de Lisboa. Na altura, julgo que me chamaram meio maluco, que não devia saber do que estava a falar. Mas eu não sei se qualquer dia esse problema não se vai colocar e se não será idêntico, em ponto pequeno, à da favela do Alemão...

– Há o risco de ‘favelização’ à volta de Lisboa?

– Há. Embora nos últimos tempos tenha havido alguma tentativa de minorar essas questões através dos chamados contratos locais de segurança, que os franceses experimentaram e já abandonaram. Essas zonas têm uma percentagem elevada de população que tem sobrevivido à custa de prestações sociais. E eu não sei até quando é que o Estado aguenta as prestações sociais. E o que é que vai acontecer se essas pessoas perderem as prestações sociais?

– Há uma tendência para o crescimento da criminalidade transnacional organizada. As polícias estão preparadas para esse tipo de criminalidade, que no nosso país é ainda desconhecida?

– Transmito isto com satisfação: nós hoje estamos muito bem apetrechados para lidar com este tipo de fenómeno. Curiosamente, estamos muito menos habilitados – e isto é quase paradoxal – para lidar com outro tipo de fenómeno que é a criminalidade desorganizada, o problema do dia-a-dia, de pequenos grupos que se juntam, sem qualquer afinidade entre eles, e praticam meia dúzia de crimes com uma violência perfeitamente desproporcionada em relação aos fins que pretendem atingir...

– Assaltos a à mão armada a bombas de gasolina para roubar escassos euros?

– E assaltos a residências. Recebi aqui uma mensagem de uma situação ocorrida na zona das Caldas da Rainha, de uma senhora de 90 anos a quem roubaram de casa cento e tantos euros – e que foi barbaramente agredida. Nós não estávamos habituados a este tipo de situação irracional. E é este tipo de criminalidade que nós não podemos deixar de ter em vista. Hoje em dia, não nos podemos esquecer, já há criminalidade por ‘outsourcing’, parte-se muito do conceito brasileiro.

– E o que é essa criminalidade por ‘outsourcing’?

– Uma pessoa quer praticar um crime, contrata meia dúzia de miúdos: tu vais ali, assaltas aqueles tipos e trazes...

– Já há casos desses?

– Já há casos desses.

– Perante este quadro que está a traçar, porque é que sai se ainda há tanto por fazer?

– Creio que há pessoas muito mais capazes e muito mais novas. Foi uma decisão puramente pessoal. Decidi ao fim de muitos anos dizer que já dei o suficiente para este peditório. Agora, vou descansar.

– Sentiu colaboração do ministro da Administração Interna, o Governo ouvia-o?

– Não muito. Não sei se tanto como deviam. Embora o problema seja mais deles do que meu.

– Sai desiludido com o ministro?

– Não, senão já me tinha desiludido há muito tempo. Não.

– Não foi ouvido tanto como desejaria. O Governo e o primeiro-ministro não o ouviram?

– As pessoas ainda não percepcionaram suficientemente a dimensão dos problemas que existem, provavelmente por estarem ocupadas com problemas de natureza mais imediata. Também compreendo que não estão criadas as condições políticas para nenhuma reforma de fundo. É escusado pensarmos nisso. Mas a pessoa que me vier substituir tem de ter um apoio que eu não tive.

– Prevê, então, um agravamento da insegurança...

– Prevejo um agravamento da situação. Com aquilo que adivinho em relação à situação do País, será desejável que a pessoa que venha para este cargo tenha a percepção da realidade das coisas desde o início do ano.

"ASAE E SEF DEVIAM INTEGRAR-SE NAS POLÍCIAS"

CM – Não faria sentido uma polícia única?

M.M. – É uma questão que se tem colocado em diversos países. Por exemplo, a Bélgica, que é um país que seguiu o nosso sistema, já evoluiu para a polícia única. Estamos a falar de um país com uma dimensão aproximada da nossa, quer em termos de território, quer em termos de população. Julgo que não é uma solução desejável.

– Porquê?

– Defendo a manutenção de um sistema dual, com uma polícia civil, sobretudo para a área específica da investigação criminal, e uma polícia de tipo GNR para determinadas operações de natureza mais militar. O que defendo é que entre estas duas forças, entre uma polícia civil e uma GNR, não devem persistir competências em razão do território. Deveria haver uma divisão de competências em razão da matéria.

– Precisamos mesmo de todas estas polícias?

– Há ainda o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a ASAE, a Polícia Marítima... Há uma dispersão, se for na praia é a Polícia Marítima, mas se for no passeio é a GNR. No mundo actual não faz sentido...

– O que é que seria desejável?

– Seria a criação de um sistema idêntico ao espanhol. Um sistema dual. Como têm os franceses também. No sistema francês, a Polícia Judiciária ficou como um corpo especial dentro da polícia nacional.

– Com uma cabeça comum...

– Sim, com uma cabeça comum. Há uma outra coisa que tenho notado, esta dispersão, com a existência de uma ASAE ou de um SEF autónomos, de uma Polícia Marítima com funções criminais. Não seria muito mais fácil de gerir, mais eficaz e mais racional se estas entidades com competências específicas em determinadas matérias fossem corpos especiais dentro de corpos policiais gerais...

– Será possível um dia?

– Oxalá aconteça o mais depressa possível.

– A ASAE e o SEF não fazem sentido?

– Têm toda a razão de ser. Não sei é se devem ser entidades autónomas. Podiam estar junto de uma polícia.

"QUEM EXERCER O CARGO TEM DE TER MAIS PODERES"

CM – Seja quem for, poderia utilizar o cargo de secretário--geral no mau sentido?

M. M. – Não, não pode. Sempre achei que havia um erro muito grande ao dizer isso sobre este lugar...

– Nunca se sentiu uma espécie de ‘cardeal Richelieu’ do regime?

– Não, nem tenho vocação nenhuma. Na primeira entrevista que dei, colocaram-me a questão dos poderes a mais. Eu disse que depois de ver as coisas e ter lido bem a lei fiquei convencido de que tinha era poderes a menos. Cada vez me convenço mais de que quem exercer o cargo tem de ter mais poderes.

"FIZEMOS MOTOR DE BUSCA PARA TODAS AS POLÍCIAS"

CM – O que mais se orgulha de ter feito e o que ficou por fazer?

M. M. – O projecto de interoperabilidade das bases de dados das forças de segurança. Até Março de 2012, está em prática...

– É uma base de dados?

– Assegura o cruzamento de informações. É um motor de busca que torna compatíveis todas as bases de dados. Foi um salto qualitativo muito grande.

PERFIL

Mário Silva Tavares Mendes, de 64 anos, nasceu na Anadia. Licenciou-se em Direito, em Coimbra. É juiz conselheiro jubilado. Em 2008, tomou posse como secretário-geral do Sistema de Segurança Interna. Foi director-geral da PJ e dirigiu o Centro de Estudos Judiciários.

in Correio da Manhã

200 países, 200 anos, 4 minutos

"Seja bem vindo quem vier por bem!"

“Esta terra que não me viu nascer e me acolheu. Fui eu que a escolhi mas não me rejeitou. Aceitou-me como sou, e por isso hoje, sou. Pertenço-lhe tanto que me pertence. Inspira-me. Respiro-a. Esta terra que me acolheu, viu-me nascer outra vez.” [anónimo]

A escassez de tranquilidade num ritmo de vida frenético deixa muitas famílias perplexas ao ponto de escolherem uma mudança de 180 graus. Sem tempo para si, sem tempo para a família, pessoas reféns de uma rotina angustiante que num dado momento decidiram dar um novo rumo à sua vida, abandonando a cidade para uma vila do interior de Portugal. Esta mudança traduz-se actualmente numa migração sem expressão do ponto de vista estatístico mas silenciosamente, a ideia vai conquistando os sonhos de um número crescente de gente saturada da vida urbana.

Um território sintonizado com esta tendência e preparado para acolher estas pessoas em busca do seu porto de abrigo, vai protagonizar um modelo de desenvolvimento inovador e duradouro. Trás-os-Montes e Alto Douro - território - é detentor de um cenário de mudança com potencial extraordinário. Para além dos recursos naturais e condições estruturais de desenvolvimento económico, os territórios promovem-se através da qualidade de vida que podem oferecer. A começar pela paisagem, interpelam-nos os contrastes, cores, texturas, sabores, clima, e claro, as pessoas. Elemento fundamental que cria, transfoma, produz e vive numa região que luta arduamente com a problemática da interioridade. Mas há algo que os nossos antepassados semearam e que continuamos a cultivar. A tradição de bem receber é uma arte que soubemos aperfeiçoar aliando o melhor que a terra produz com a sabedoria, dedicação e humildade das mulheres e homens desta região. Esta arte, devidamente capitalizada, pode determinar o futuro do desenvolvimento de TMAD. Os territórios de baixa densidade competem cada vez mais no campeonato da hospitalidade.
O desafio hoje e amanhã, é transformar a interioridade de um território num factor de atracção. Este interior de rudeza suave tem todos os atributos para criar raízes a quem as procura. Ancoradouro de valores identitários consistentes, Trás-os-Montes e o Alto Douro oferecem condições excepcionais para captar o interesse dos chamados novos povoadores.
Gentes de Trás-os-Montes e Alto Douro, vivemos num território inspirador, fonte de energia, um bem apetecível numa sociedade confrontada com tantos desafios e maiores incertezas. De braços abertos, receberemos quem, como nós, se apaixonar por esta terra.

Crónica de Alexandre Ferraz para a Revista Tribuna Douro

Tudo o que espoliámos à “geração sem remuneração”


Para uns terem “direitos adquiridos” para sempre, outros ficaram sem direitos nenhuns: os mais novos, os nossos filhos.

Quando o FMI chegou pela segunda vez a Portugal, em 1983, eu tinha 26 anos. Num daqueles dias de ambiente pesado, quando havia bandeiras pretas hasteadas nos portões das fábricas da periferia de Lisboa, quando nos admirávamos com ser possível continuar a viver e a trabalhar com meses e meses de salários em atraso, almocei com um incorrigível optimista no Martinho da Arcada. Nunca mais me esqueci de uma sua observação singela: “Já reparaste como, apesar de todos os actuais problemas, a nossa geração vive melhor do que as dos nossos pais? Tenta lembrar-te de como era quando eras miúdo…”
Era verdade: a minha geração viveu e vive muito melhor do que a dos seus pais. E eles já viveram melhor do que os pais deles. Mas quando olho para a geração dos meus filhos, e dos que são mais novos do que eles, sinto, sei, que já não vai ser assim. E não vai ser assim porque nós estragámos tudo – ou ajudámos a estragar tudo. Talvez aqueles que são um bocadinho mais velhos do que eu, os verdadeiros herdeiros da “geração de 60”, os que ocuparam o grosso dos lugares do poder nas últimas três décadas, tenham um bocado mais de responsabilidade. Mas ninguém duvide que o futuro que estamos a deixar aos mais novos é muito pouco apetecível. E que o seu presente já é, em muitos aspectos, insuportável.
 
Começámos por lhes chamar a “geração 500 euros”, pois eram licenciados e muitos não conseguiam empregos senão no limiar do salário mínimo. Agora é ainda pior. Quase um em cada quatro pura e simplesmente não encontram emprego (mais de 30 por cento se tiverem um curso superior). Dos que encontram, muitos estão em “call centers”, em caixas de supermercados, ao volante de táxis, até com uma esfregona e um balde nas mãos apesar de terem andado pela Universidade e terem um “canudo”. Pagam-lhes contra recibos verdes e, agora, o Estado ainda lhes vai aplicar uma taxa maior sobre esse muito pouco que recebem. Vão ficando por casa dos pais, adiando vidas, saltitando por aqui e por ali com medo de compromissos.
Há 30 anos, quando Rui Veloso fixou um estereótipo da minha geração em “A rapariguinha do Shopping”, a letra do Carlos Tê glosava a vaidade de gente humilde em ascensão social, fosse lá isso o que fosse: “Bem vestida e petulante/Desce pela escada rolante/Com uma revista de bordados/Com um olhar rutilante/E os sovacos perfumados/…/Nos lábios um bom batom/Sempre muito bem penteada/Cheia de rimel e crayon…”
Hoje, quando os Deolinda entusiasmam os Coliseus de Lisboa e do Porto, o registo não podia ser mais diferente: “Sou da geração sem remuneração/E não me incomoda esta condição/Que parva que eu sou/Porque isto está mal e vai continuar/Já é uma sorte eu poder estagiar…” Exacto: “Já é uma sorte eu poder estagiar”, ou mesmo trabalhar só pelo subsídio de refeição, ou tentar a bolsa para o pós-doc depois de ter tido bolsa para o doutoramento e para o mestrado e nenhuma hipótese de emprego. Sim, “Que mundo tão parvo/Onde para ser escravo é preciso estudar…”
É a geração espoliada. A geração que espoliámos.
 
Sem pieguices, sejamos honestos: na loucura revolucionária do pós-25 de Abril, primeiro, depois na euforia da adesão à CEE, por fim na corrida suicida ao consumo desencadeada pela adesão à moeda única e pelos juros baixos, desbaratámos numa geração o rendimento de duas gerações. Talvez mais. As nossas dívidas, a pública e a privada, já correspondem a três vezes o produto nacional – e não vamos ser nós a pagá-las, vamos deixá-las de herança.
Quisemos tudo: bons salários, sempre a subir, e segurança no emprego; casa própria e casa de férias; um automóvel para todos os membros da família; o telemóvel e o plasma; menos horas de trabalho e a reforma o mais cedo possível. Pensámos que tudo isso era possível e, quando nos avisaram que não era, fizemos como as lapas numa rocha batida pelas ondas: enquistámos nas posições que tínhamos alcançado. Começámos a falar de “direitos adquiridos”. Exigimos cada vez mais o impossível sem muita disposição para darmos qualquer contrapartida. Eram as “conquistas de Abril”.
Veja-se agora o país que deixamos aos mais novos. Se quiserem casa, têm de comprá-la, pois passaram-se décadas sem sermos capazes de ter uma lei das rendas decente: continuamos com os centros das cidades cheios de velhos e atiramos os mais novos para as periferias. Se quiserem emprego, mesmo quando são mais capazes, mesmo quando têm muito mais formação, ficam à porta porque há demasiada gente instalada em empregos que tomaram para a vida. Andaram pelas Universidades mas sabem que, nelas, os quadros estão praticamente fechados. Quando têm oportunidade num instituto de investigação, dão logo nas vistas, mas são poucas as oportunidades para tanta procura. Pensaram ser professores mas foram traídos pela dinâmica demográfica e pela diminuição do número de alunos. Sonharam com um carreira na advocacia, mas agora até a sua Ordem se lhes fecha. Que lhes sobra? As noites de sexta-feira e pensarem que amanhã é outro dia…
E observe-se como lhes roubámos as pensões a que, teoricamente, um dia teriam direito: a reforma Vieira da Silva manteve com poucas alterações o valor das reformas para os que estão quase a reformar-se ao mesmo tempo que estabelecia fórmulas de cálculo que darão aos jovens de hoje reformas que corresponderão, na melhor das hipóteses, a metade daquelas a que a geração mais velha ainda tem direito. Eles nem deram por isso. Afinal como poderia a “geração ‘casinha dos pais’” pensar hoje no que lhe acontecerá daqui a 30 ou 40 anos?
 
Esta geração nunca se revoltará, como a geração de 60, por estar “aborrecida”, ou “entediada”, com o progresso “burguês”. Esta geração também não se mobilizará porque… “talvez foder”. Mas esta geração, que foi perdendo as ilusões no Estado protector – ela sabe muito bem como está desprotegida no desemprego, por exemplo… –, habituou-se também a mudar, a testar, a arriscar e, sobretudo, a desconfiar dos “instalados”.
Esta geração talvez já tenha percebido que não terá uma vida melhor do que a dos seus pais, pelo menos na escala que eles tiveram relativamente aos seus avós. Por isso esta geração não segue discursos políticos gastos, nem se deixa encantar com retóricas repetitivas, nem acredita nos que há muito prometem o paraíso.
Por isso esta geração pode ser mobilizada para o gigantesco processo de mudança por que Portugal tem de passar – mais do que um processo de mudança, um processo de reinvenção. Portugal tem de deixar de ser uma sociedade fechada e espartilhada por interesses e capelinhas, tem de se abrir aos seus e, entre estes, aos que têm mais ambição, mais imaginação e mais vontade. E esses são os da geração “qualquer coisa” que só quer ser “alguma coisa”. Até porque parvoíce verdadeira é não mudar, e isso eles também já perceberam…

in PÚBLICO, José Manuel Fernandes

Migrações - Retratos do nomadismo contemporâneo

"Os Portugueses precisam de sair da sua zona de conforto" por @JotaNR

Os empresários e investidores portugueses têm de ir para além da "proximidade", seja ela o espaço europeu (em que se concentram) ou o de língua comum. Têm de ter em conta a geoeconomia em profunda transformação, diz o guru indiano Pankaj Ghemawat

Os empresários e investidores portugueses têm de saber lidar com as diferenças quando se internacionalizam e ir para além da "proximidade", seja ela o espaço europeu (em que se concentram) ou o de língua comum. Têm de ter em conta a geoeconomia em profunda transformação e saber diversificar, procurando os mercados que estão a dar cartas no crescimento mundial. Mas para isso não se devem deixar vencer ou intimidar pelas barreiras.

Esta foi a principal mensagem de Pankaj Ghemawat (um nome difícil, que ele aconselha que se leia assim: pun-kuj ghé-má-wut), de 51 anos, nascido em Jodphur, na Índia, atual professor de estratégia global no IESE-Instituto de Estudios Superiores de la Empresa em Barcelona, na conferência que realizou em Lisboa na AESE-Escola de Direcção de Negócios no quadro do Programa de Alta Direcção, e que reafirmou em entrevista.

P: A principal mensagem que quis deixar em Lisboa é que os empresários portugueses têm de ser mais ousados na internacionalização?

R: Sim. Têm de sair da sua zona de conforto. Estão concentrados excessivamente na Europa. E os mercados europeus, em geral, não são os que mais vão crescer no futuro. É preciso avançar para além dessa proximidade. A Espanha fê-lo no caso da América Latina. A ideia de uma expansão internacional incremental, passo a passo, não é o futuro. E a híper-focalização na Europa é um enorme risco para o futuro. Onde é que vão estar os mercados de exportação e de investimento? - é essa a questão que se devem colocar.

P: Mas devem evitar algumas ilusões, é esse o outro lado da moeda? A globalização continua a ser um mito muito propagandeado?

R: Temos de ter um método empírico - olhar os dados da realidade. Por isso eu falo de semi-globalização para dar uma noção mais realista e para insistir na questão de que continua a haver fronteiras, de que há diferenças e da importância de saber lidar com elas. E tenho a sensação que o mito do "mundo plano" está a passar. Tudo começou com Ted Levitt nos anos 1980 e a ideia de uma estratégia para um mundo integrado de mercados, depois com Frances Cairncross e a "morte das distâncias" nos anos 1990 até à mais recente ideia de que o "mundo é plano" de Thomas Friedman.

P: As redes sociais na web podem alterar as estratégias de internacionalização, facilitam a globalização?

R: É algo ainda novo e parece-me haver muito exagero à volta. Tenho algum ceticismo, por isso. O meu exemplo favorito nas tecnologias de informação é o Linux. É uma força poderosa de mudança. Na realidade, dá poder às pessoas - mesmo às pessoas pobres, como acontece no meu estado de origem na Índia, o Rajistão, onde os camponeses podem verificar quem é dono da terra.

P: A semiglobalização pode ainda acentuar-se mais se as políticas protecionistas e eventuais guerras de divisas ganharem predominância?

R: Estou muito preocupado com os desequilíbrios mundiais. Por exemplo, os excedentes chineses - eis algo com que nos devemos preocupar seriamente. Se esses caminhos que refere ganharem predominância, coisas realmente muito más podem acontecer.

P: A estratégia de projeção global das grandes empresas das economias emergentes pode mudar esse contexto e reforçar a globalização? Por exemplo, o investimento chinês no estrangeiro excluindo o setor financeiro aumentou 36% em 2010.

R: Não creio que altere qualitativamente. Os grandes investimentos da China e da Índia no mundo não são mais do que 1 a 2% do PIB. A maioria desses investimentos fora são na energia, nos metais e em projetos agrícolas. Não creio que se trate de um novo tipo de estratégia.

P: Tem algum exemplo de internacionalização que o tenha surpreendido?

R: Há um caso fascinante - o da Orbea, do País Basco, o maior fabricante de bicicletas de Espanha, que é parte do grupo cooperativo Mondragón, mas que também fabrica roupa e capacetes. Acabou por criar uma linha de montagem no Arkansas para o mercado americano em que apostou. Realizou a externalização das componentes menos importantes na China. Mas mantiveram o design no país de origem.

P: Ter duas sedes, uma no país de origem, e outra numa região que se considere chave para o futuro, é uma boa solução?

R: A Cisco parece querer ser o modelo desse ponto de vista. Nomeou um chefe de globalização com sede em Bangalore, na Índia, cidade que foi designada como centro oriental de globalização. Julgo ser exequível em algumas funções, por exemplo o que fez a Wall-Mart com o centro de compras mundial em Shenzhen, no sul de Cantão, junto a Hong Kong O mesmo fez a IBM que deslocou o responsável global de aprovisionamentos da região de Nova Iorque para a mesma cidade do sul da China, onde ficou sediada essa função. Mas criar centros de poder iguais parece-me muito mais difícil. A matriz que se cria é muito complicada. E há um problema crítico - se quiser recuar, como é? Sou, por isso, um pouco cético.

P: Qual é a sua principal mensagem no novo livro que vai lançar em maio intitulado 'Word 3.0'?

R: Que a ideia do "mundo é plano" é terrivelmente errada. O que é fundamental é reconhecer as semelhanças, mas também as profundas diferenças entre países que têm de ser tomadas bem a sério. Os níveis de globalização, como já referi, são ainda limitados. Por isso falo de semi-globalização. Mas isso não invalida que não haja muitas oportunidades por descobrir - se souber lidar com as diferenças. É esse o mundo 3.0 de que falo no livro.

Evite atitudes bipolares

Pankaj Ghemawat tem insistido em alertar os empresários para a fantasia de que o "mundo é plano". Os escritores "globalistas" têm vendido a ideia de que a internacionalização de produtos e serviços é hoje um passeio triunfal por uma carpete vermelha, pois assistiríamos a uma uniformização no consumo (uma convergência de gostos, como dizia Ted Levitt) e a um desabar de barreiras geográficas, administrativas, culturais.

Ora a realidade é madrasta, está longe dessa ficção. Por isso fala de uma situação de semi-globalização em que, em 2010, as exportações são apenas 23% do produto mundial, os fluxos de investimento direto estrangeiro ocupam apenas uma fatia de 9,9% da formação bruta de capital fixo e o índice de transnacionalização das 100 maiores empresas do mundo é apenas de 63%.

Aponta estes números para que os empresários caiam na realidade - pois, todos os "testes" de perguntas que se fazem sobre estes indicadores revelam uma sobrestimação enorme, na ordem do dobro ou mesmo do triplo. "Continua a haver uma intuição muito exagerada sobre a globalização. As pessoas erram por margens enormes - dão largas ao exagero", diz o professor de estratégia. Aliás, isso foi bem patente no "teste" que Ghemawat fez junto dos participantes do Programa de Alta Direção em Lisboa.

Por isso, o professor indiano de estratégia é particularmente ácido contra "a petulante superioridade das elites classificadas como 'homens de Davos' y globocratas, a insegurança terminal de todos aqueles que tentam estar atualizados ao dia, ou a utopia cândida dos internacionalistas".

Há quatro anos publicou na editora da Harvard Business School um primeiro manifesto contra esse mito, carregado de exemplos práticos e com "dicas" práticas, que intitulou 'Redefinindo a Estratégia Global - atravessando fronteiras num mundo em que as diferenças ainda contam'.

Nesse livro, Ghemawat desenvolve um modelo de avaliação das distâncias (culturais, administrativas, geográficas e económicas) para tornar visíveis as diferenças tanto nacionais como a nível setorial e advoga uma palete de estratégias de criação de valor que designa por triplo A: adaptação, agregação e arbitragem. Chama a atenção, em particular, para a arbitragem, ou seja "explorar as diferenças, em vez de as tratar como limitações que se devem modificar ou superar" ou, em muitos casos, que levam a desistir à partida. Recomenda, por isso, que se evitem "atitudes bipolares face à globalização" - da euforia à negação, ou vice versa.

Ghemawat foi professor na Harvard Business School durante 25 anos até vir para Barcelona em 2006.

in Expresso, Jorge Nascimento Rodrigues

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