Estrangeiros que escolhem Portugal para viver!
Sat, Jan 24 2009 02:56
| Globalização, Teletrabalho
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A fortuna da família Brenninkmeijer é a maior da Holanda e equivale a cerca de oito vezes a riqueza de Belmiro de Azevedo.
Ascende a qualquer coisa como 15 mil milhões de euros, tendo agigantado 20,2% em 2005, segundo a revista Quote. Muito reservado e avesso a entrevistas, Norman Brenninkmeijer escolheu Portugal para viver e Alcabideche para morar. Daí a sua proximidade à loja de Cascais, um dos 25 estabelecimentos que o grupo explora no país.
O gestor pertence à quinta geração da família holandesa que fundou o terceiro maior grupo de retalho europeu, no longínquo ano de 1861. Como muitos estrangeiros que residem em Portugal, Brenninkmeijer mantém-se em contacto com a comunidade local dos seus conterrâneos, que se apaixonaram pelo país onde vivem e elogiam o clima, a tradição, a segurança e a simpatia dos portugueses. "O maior desafio que enfrentam, para além da aprendizagem da língua, é terem de conviver com as grandes burocracias e alguma falta de disciplina em termos de horários e compromissos", alerta Eduarda Luna Pais, managing partner da consultora Egon Zehnder.
"Mas a evidência de que essas dificuldades acabam por ser vencidas é que muitos gestores decidem permanecer em Portugal. Nalguns casos, quando se reformam, continuam a exercer funções não executivas no país." Guilhermina Vaz Monteiro, managing partner da consultora Horton International, diz que o que leva estes responsáveis de topo a ficar em Portugal é, do lado profissional, a qualidade dos recursos humanos e a sua capacidade de improvisação estratégica e organizacional e, do lado pessoal, a boa gastronomia e o casamento que, por vezes, acontece com cidadãos locais. "O mar, o peixe ao sal, o arroz de marisco, as pataniscas e o cheiro do café expresso são tão poderosos quanto o sol, que aqui alimenta a alma", ironiza.
Charme natural
Lars Bo Hansen, 44 anos, nasceu na Dinamarca, é casado com uma norueguesa, vive na zona do Farol da Guia, em Cascais, e tem dois filhos portugueses. Dirige as operações das Pousadas de Portugal, do grupo Pestana, mas confessa ter aceite o cargo "sem grande conhecimento prévio do negócio, antes da privatização". Teve apenas dez dias para visitar 40 pousadas e ficou impressionado.
Sentiu mesmo que havia injustiça na avaliação do produto turístico. "Cada pousada era como a mais bonita boneca da loja, mas tinha um risco na cara. Esse detalhe feio era a rentabilidade." O gestor estudou na África do Sul, onde chegou com 7 anos, acompanhado pelo pai que era electricista na indústria de construção naval. Formou-se numa escola de hotelaria e quando deixou o país, aos 22 anos já tinha experiência de direcção de compras no Royal Hotel, de cinco estrelas, em Durban. Regressou à Dinamarca, onde encontrou muito desemprego, e aceitou trabalhar como porteiro da noite no Plaza Hotel da cadeia Sheraton, em Copenhaga.
"Agarrei-me à primeira oportunidade na hotelaria europeia. Mas a gestão percebeu que eu tinha outras competências e ofereceu-me a posição de gerente financeiro no departamento de alimentos e bebidas do Sheraton, de Oslo, na Noruega". A experiência durou dois anos, até 1986.
Os profissionais de hotelaria têm agentes que os promovem e identificam oportunidades de carreira. O agente britânico de Lars Bo Hansen sugeriu-lhe a Madeira porque Joe Berardo e Horácio Roque tinham acabado de comprar o grupo Savoy e queriam reformular os produtos turísticos.
"Foi o meu primeiro contacto com a língua portuguesa. Fiquei dois anos e desenvolvi a área de alimentos e bebidas, mas queria outras experiências. De Portugal conhecia apenas Lisboa, Setúbal e Algarve." Partiu então para projectos de turismo de outros grupos nas Caraíbas, na China e, de novo, na África do Sul depois do apartheid.
Mas acabou por regressar ao Savoy como director-geral, para liderar a expansão da oferta resort, experiência que durou cinco anos, até surgir o convite do grupo Pestana.
Hoje sente-se privilegiado em dirigir as Pousadas de Portugal, que o aproximam da história, da cultura e da gastronomia, temperadas pelo clima, segurança e campos de golfe que não se cansa de elogiar, a par de tradições como "a valorização do campo e o almoço familiar ao domingo, que ainda não se perdeu, ao contrário do que acontece na Escandinávia".
Estas vertentes do país têm charme natural e são únicas no mundo. "As good as it gets", afirma Lars Bo Hansen, num raro desvio ao seu português com ligeiro sotaque madeirense. Visita a Dinamarca uma vez por ano e continua em contacto com o seu agente britânico. Mas sublinha que é em Portugal que vive melhor, ao fim de tantos destinos turísticos percorridos profissionalmente.
Deixar obra feita
Para os gestores estrangeiros a possibilidade de liderarem projectos em subsidiárias de países pequenos é frequentemente estimulante porque as suas decisões podem deixar um cunho pessoal. Gerd Boehmer, 60 anos, administrador-delegado da Victoria Seguros, conduziu a construção da nova sede do grupo na Avenida da Liberdade, em Lisboa, e liderou o processo de transformação das agências gerais em sociedades anónimas. Diz que se orgulha dessa obra, que não poderia ter dirigido num mercado maior. Este gestor nasceu na Alemanha Ocidental, estudou Matemática Aplicada e programou software na NASA, nos Estados Unidos, e fez ainda carreira académica na Venezuela, durante dois anos.
Chegou a Portugal em 1982. Na altura era muito raro encontrar fora da Alemanha gestores oriundos da casa-mãe Victoria. Gerd Boehmer era a excepção, que se justificava pela precaução exigida num pequeno mercado em crise económica. Submeteu--se à prova de um país que não conhecia.
"Encontrei um sistema económico que se comparava ao da Alemanha do Leste, mas aqui as pessoas podiam exprimir livremente a sua opinião e entrar e sair do país sem grande dificuldade. Lembro-me de como era chocante comprar coisas bonitas e de qualidade noutros países, com etiqueta portuguesa, mas que não estavam disponíveis no mercado interno." Boehmer radicou-se em Portugal acompanhado pela sua mulher, de nacionalidade alemã, que seguiu a carreira de enfermagem, e de quem teve dois filhos que falam português. "Criei laços de amizade, dentro e fora da empresa, e nos torneios de golfe. E isto conta, na decisão de ficar." Contudo, o gestor queixa-se da excessiva intervenção do Estado na economia e diz que gostaria de ver mais justiça fiscal. "Nos seguros o Estado é árbitro através da entidade de supervisão, mas é também uma empresa estatal que domina o mercado e assume o papel de maior jogador." O nosso país deu a oportunidade a Urs Mahler, 61 anos, de desenvolver um projecto próprio na área farmacêutica, a Kiron, após ter liderado a sucursal nacional da Ciba-Geigy, actual Novartis. Este gestor nasceu em Zurique, mas tem nacionalidade portuguesa "por razões emocionais".
Trabalhou na Suíça, Venezuela e Espanha antes de se ter instalado em Portugal, em 1979, para conduzir o processo de aquisição do laboratório Normal. Aceitou o convite da casa-mãe para ficar radicado no país porque, nessa altura, já conhecia Cascais.
Comprou aí um apartamento que partilhou com a sua esposa portuguesa nos últimos 27 anos. Ainda se lembra do dia em que estreou o espaço. "A mudança estava concluída, mas tive de levar o meu televisor a uma loja de reparações. Disse ao técnico que havia qualquer coisa de errado porque a imagem estava a preto e branco, e só recebia dois canais. Naquela época a televisão portuguesa ainda era assim", recorda, com a imagem nítida na memória de um país onde encontrou muito por fazer.
Carreiras em países pequenos
Nos anos 80 as multinacionais promoviam a carreira em países pequenos, e atribuíam depois responsabilidades em mercados maiores se a operação corresse bem. Urs Mahler não quis sair de Portugal porque sempre gostou da sua equipa local, tendo levado colegas da Novartis para o novo projecto, a Kiron, que abraçou em 1997. Esta farmacêutica factura hoje cerca de 8 milhões de euros em formação, coaching, promoção e distribuição de produtos de diversos laboratórios.
As ligações que o gestor estabeleceu com amigos portugueses levaram-no a fundar um clube de todo-o-terreno que realiza seis encontros por ano "para descobrir a paisagem portuguesa". Também fez um curso de pilotagem de aviões e, até conquistar o brevet, desenvolveu a prática da língua portuguesa.
A aproximação dos gestores estrangeiros a Portugal nem sempre foi planeada. Para Denis Coubronne, 43 anos, general manager da PrimeDrinks, empresa distribuidora de marcas como Herdade do Esporão, Caves Aliança, Quinta da Aveleda, Grant's, Absolut Vodka e Pisang Ambon, o primeiro contacto com Lisboa nasceu de uma decisão burocrática no seu país de origem, a França. Quando tinha 22 anos escolheu prestar serviço civil numa embaixada, em alternativa ao serviço militar. Calhou-lhe Portugal. Trocou a bonita região vinícola e de castelos do Loire pelo alojamento durante um mês no hotel de charme York House, em Lisboa, em 1986. "O país estava a abrir-se à CEE e a despertar para o grande consumo. Não havia hipermercados, nem auto-estrada a ligar Lisboa e Porto. Marcou-me o cheiro do café na rua.
veitei para sair à noite no Bairro Alto e também descobri o Alentejo." Foi uma atracção fatal, a que se juntou o namoro com uma portuguesa, sua actual mulher.
Sabia que queria ficar no país e encontrou na Danone uma oportunidade de carreira.
Acompanhou a força de vendas do grupo francês, então designado por BSN, que estava a lançar a cerveja Kronenbourg através do importador Caves Aliança. Na gestão pôs a descoberto o contraste entre o rigor, transparência e união social da Europa Central, e a emoção, criatividade e individualismo do Sul.
Em 1993 aceitou o convite da Caves Aliança para ser brand manager de marcas importadas, e casou no ano seguinte. Em 2001 assumiu a direcção-geral e a designação da empresa acabou por mudar para PrimeDrinks, após a entrada no capital da Herdade do Esporão.
Morou num prédio pombalino da Praça de São Paulo, "uma zona que não é decente" segundo os seus colaboradores. Gosta de teatro e de arte, mas lamenta que a capital esteja a perder qualidade de vida e tenha dado lugar à construção em excesso, em vez da reabilitação de edifícios. "Portugal teve um desenvolvimento pouco estruturado.
As grandes cidades precipitaram-se no consumo e arriscam-se a perder a alma.
Não podemos perder o que é mais bonito, o que vai atrair turismo", lamenta. "Lisboa esvaziou-se. Morreu o comércio de rua. As pessoas estão apressadas, não se encontram, vivem em condomínios fechados. À noite não há luz nas janelas."
Rendeu-se ao condomínio
Este desencanto com a capital levou à sua mudança de residência para o Monte do Estoril, em Julho de 2006. "Estava farto de não ver melhorias, em mais de dez anos. A falta de qualidade em prédios antigos, no centro de Lisboa, é tão evidente que não tive outra opção. Agora estou num condomínio fechado, imitei os portugueses."
Graham Dewar, 64 anos, também não conduziu o seu destino na aproximação a Portugal. Foi a multinacional Johnson & Johnson que escolheu por si, após dez anos na filial da sua terra natal, a África do Sul, e a força de duas licenciaturas em Engenharia Química e em Gestão. Em 1981 iniciou uma carreira internacional para dirigir a sucursal em Lisboa. "Senti que Portugal entrava na modernidade. Acreditei que essa transição teria um desfecho positivo.
O país era uma jóia, com gente boa. E o clima para desenvolver negócios estava a melhorar." Viveu sete anos no país e mudou para a sede da multinacional em Nova Jérsia, Estados Unidos, mas queria voltar a Lisboa. "Tinha casado com uma mulher portuguesa. Ficara com grande atracção por Portugal. Sentia saudades de praticar vela no Estoril e na praia Del'Rey".
A Celulose do Caima, actual Altri, e, em 2002, a Central de Cervejas, deram-lhe posições de CEO e a possibilidade de radicar-se. Hoje, como gestor da sua consultora Task Management, aponta as dificuldades "do sistema legal, que necessita de modernizações". Mas, ainda assim, garante que vale a pena viver e fazer negócios em Portugal.
http://www.exame.pt/carreiras/html/daquinaosaio.html